As altas vendas dos livros - e, mais tarde dos filmes - da série do bruxo, surpreenderam todas as editoras inglesas, que pensavam que livros tão grandes não seriam lidos por crianças tão pequenas, e que bruxaria não tinham espaço nas livrarias. Mais tarde, a dúvida veio parar nas editoras brasileiras, que acreditavam que livros tão grandes poderiam, sim, serem lidos por crianças pequenas, mas inglesas, e não brasileiras. O fato é que, salvo algumas exceções, os livros infantis vinham sendo feitos para adultos, e não para crianças. Isso porque o público-alvo acabava sendo o pai ou o professor, em vez dos próprios pequenos.
Profissionais do ramo explicam: ao contrário da literatura adulta, na infantil, não é o consumidor - a criança - que escolhe o que vai ler, e sim um adulto. Por isso, os livros são feitos para chamarem a atenção deles, geralmente trazendo uma mensagem politicamente correta, ou algum material escolar embutido, para que seja vendido como os chamados “paradidáticos”. Mas criança não é boba, e sabe identificar muito bem um material que foi feito para ela. Os paradidáticos têm ainda o argumento contra de que são feitos sobre um molde politicamente correto, senão não poderiam ser vendidos para escolas ou para o governo, o que significa uma parcela considerável do dinheiro que rola nas editoras.
Nada contra esse tipo de livro, mas não é literatura. Não rompe com paradigmas, não causa incômodo, não deixa nada a pensar, além daquilo que se vê nas ruas e na televisão diariamente. Literatura é outra coisa, mesmo que seja infantil. Outra crítica feita hoje, e que favorece muito J. K. Rowling - a autora antes pobre, e hoje milionária de Harry Potter - é a luta contra a infantilização do livro infantil. A editora Dolores Pradas defendeu recentemente, em uma aula a futuros editores, que os livros infantis tenham mais profundidade. Se não é considerada “alta literatura”, Rowling ao menos conseguiu preencher a mente infantil com mundos mágicos, palavras inventadas e complicadas, tramas elaboradas e muitas, muitas páginas, que duraram anos nas livrarias, ou seja, nada de infantilização do público.
Infelizmente, o fim da série deixa um vácuo para as próximas gerações. Quem vai suprir o espaço deixado pelos Harry Potters, ocupando o papel de entreter pura e simplesmente as futuras crianças leitoras? Quem será a próxima J. K. Rowling, que vai compreender o que a criança quer ler, e formar o futuro leitor de obras cada vez mais elaboradas e clássicas. Segundo Dolores, a importância da literatura infantil é tamanha que, depois dela, uma criança leitora não precisa do degrau “literatura juvenil”, ela pula dos Harry Potters diretamente para as Agathas Christies e Victor Hugos, sem passar pelos vampiros - que hoje ocupam grande parte das livrarias.
Com o advento do livro digital, ficou muito mais fácil chamar a atenção. Hoje os livros brilham, falam e cantam, mas ainda não superam as 500 páginas de cada exemplar do bruxo em quem ninguém quis apostar. Se para uns pareceu uma febre passageira, que lotou os cinemas das últimas semanas de crianças fantasiadas, outros torcem para que seja mesmo passageira, ou seja, para que seja logo substituída por muitos outros livros do mesmo calibre. Não uma nova coleção de bruxos, vampiros ou lobisomens, mas uma nova geração de leitores, que procuram livros cada vez mais encorpados porque foram preparados - e muito bem preparados - por Rowlings e Tolkiens durante a infância.
Publicado no último domingo no jornal O Debate
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